segunda-feira, 20 de junho de 2011

Conto n° 1 - Um beijo por três reais

Era uma festa junina. Ou pelo menos tentaram que fosse. Na verdade, era para ser uma festa comum. Mas como aconteceria bem no mês de junho, decidiram fazer uma fogueira de plástico, colocar umas barraquinhas de brincadeiras, vender canjica e salsichão, e contratar uma banda de forró. Não deu muito certo, e de fato não agradou a muitos, mas Cecília não saberia opinar sobre isso. Se lhe perguntassem, talvez ela nem soubesse que estava numa festa junina.

Sua mente não se encontrava nem na festa, nem na lua, mas em Eduardo, seu ex-namorado. Ou como ela mesma o apelidou, o “falecido”. Foram dois anos de muito investimento na relação, muito amor no coração e muito Rivotril goela abaixo. Eduardo definitivamente não era um namorado fácil. Ciumento ao extremo, exigia de Cecília uma Cecília que ela não era e nem poderia ser. Uma Cecília submissa, anulada, transparente. Ela o amava. Mas amava mais a si mesma. E por isso ela o deixou, de forma repentina e decidida, como se por um milagre tivesse conseguido fugir de uma prisão de segurança máxima. Não fez questão de buscar suas roupas na casa dele nem se despediu de sua família. Muito menos cobrou aquele dinheiro que ele lhe estava devendo. Entre o passado e o presente, apenas uma carta, lhe implorando que a deixasse ir em paz.

As amigas, negligenciadas durante o período do namoro, custaram a acreditar na atitude de Cecília. Mariana achava que ela havia se apaixonado por outro. Teresa tinha quase certeza absoluta que era ele que havia se apaixonado por outra. Alguns palpites mais maldosos diziam que o ciúme de Eduardo havia se tornado violento, a ponto de Cecília dar queixa em delegacia. Cecília negava tudo, mas nada que ela dizia parecia suficientemente convincente. O assunto virou a pauta semanal, e o telefone sem fio criou pelo menos mais cinco novas versões para o rompimento.

Naquela noite da festa, Cecília havia decidido que sairia de seu casulo, enfrentaria seu luto, e buscaria diversão. Qualquer diversão. E foi assim que ela se encontrou na pseudo festa junina, com as amigas negligenciadas, que queriam sua companhia mais pelo desejo fulminante de entender melhor o término, do que pela companhia em si. Cecília sabia disso, mas preferiu ser sonsa a ter que aturar mais uma noite sozinha.

Entre uma barraca e outra de brincadeira, Cecília fingia que se divertia. Conversava muito, apesar de não dizer coisa com coisa, e paquerava muito, apesar de não enxergar nada e ninguém. Cecília era apenas corpo, sua alma estava distante, em mundos habitados pela dúvida e pela solidão. A saudade de Eduardo era maior que a certeza de ter feito a coisa certa. E tudo o que ela desejava era que ele desobedecesse ao pedido explícito na carta, e fosse atrás dela. Ela sonhava com juras de amor eterno e promessas de mudanças, um relacionamento mais maduro, um homem diferente na carcaça de Eduardo. Ela sonhava acordada, num transe absoluto, até que algo ou alguém a trouxesse de volta à realidade fria daquela festa.

Uma destas voltas foi ocasionada por Renato, que num solavanco fez Cecília voltar a si. “Me desculpe, foi sem querer”. Mas ela ainda estava acordando de seu sonho, e por um instante confundiu Renato com Eduardo. Sem dúvida, as semelhanças entre os dois eram evidentes. Morenos, altos, olhos claros, sobrancelhas grossas. O mesmo sorriso. Incrivelmente, o mesmo olhar. Por um instante, a música parou e tudo se tornou inerte. E permaneceu assim até Renato quebrar o silêncio e perguntar:

- Quer um beijo? Custa apenas três reais”.
- O que?
- Sim, três reais, você me parece precisar de um beijo.

Não acreditando no que havia acabado de escutar, Cecília, sem a menor intenção de entender a situação, virou-se de costas e foi atrás de suas amigas. Sua mente confusa lhe fazia perguntas: “Será que já bebi tanto assim? Ele realmente estava me cobrando por um beijo? Ou estou imaginando coisas?” Convenceu-se de que não havia bebido ainda o suficiente, e buscou mais uma cerveja no bar. Ficou na dúvida se contava ou não para suas amigas o que havia acontecido, e buscou mais uma cerveja no bar. Resolveu não contar nada, e buscou mais uma cerveja no bar. Sonhou mais uma vez com Eduardo, e buscou mais uma cerveja no bar. Até que lá pelas tantas, Cecília não tinha mais pernas para buscar nada no bar. Ela estava completamente bêbada.

Sentada no chão, em meio a uma dezena de vultos, Cecília não interessava nem mais às amigas, nem mais a si mesma. Era pura derrota. A saia transpassada mais parecia uma toalha enrolada. A blusa caída pelos ombros. O penteado desfeito. O olhar vazio. As mãos no joelho. A dor enfraquecida pelo álcool. E permaneceu assim por muito tempo, até que algo chamou a atenção de Cecília. Mesmo bêbada, mesmo com um olho aberto e outro fechado, mesmo enxergando tudo triplicado, seu olhar foi fisgado por uma cena inusitada.

Uma fila, apenas mulheres, muitas mulheres. Lá na frente, um homem, apenas um homem. E beijos. Beijos na boca. Cada mulher parecia dar algo para o homem, e em troca ganhava um beijo. E Cecília passou a observar aquilo de longe, sem acreditar, sem conseguir entender seu propósito, sem coragem para perguntar às suas amigas se ela estava imaginando coisas. Tentou, tentou, e na terceira tentativa, conseguiu se levantar.

À medida que se aproximava, Cecília constatava que aquilo era mesmo realidade, até que finalmente leu: “Barraca do beijo. Apenas R$3,00”. Não entendeu. “Barraca... beijo... três... reais...apenas... o que?”. Seu olhar bêbado havia fixado na placa, até que desviou a atenção para a primeira moça da fila que, ansiosa, entregou os 3 reais ao rapaz, colocou uma das mãos no pescoço dele, a outra em seus cabelos e preparou o bote.

Foram segundos, apenas segundos, e lá estava Cecília, entre os dois, disparando nele um belo tapa digno de filme trash, e caindo no chão, como goiaba madura que cai do pé. Não satisfeita, Cecília começou a disparar insultos contra o pobre do Renato, que vendia beijos na barraca de beijos, e que nada entendia o porquê do tapa.

- Cretino! ... Como?... Como?... Alguém te contou?... Que eu estaria aqui... não é? Quem?... Diz quem? Não bastava uma? Eduardo... Porque tantas? ... Eu te amo! – E desmaiou.

Renato tomou Cecília pelos braços e saiu para o ambulatório. Lembrou do solavanco e de Cecília horas antes, na multidão, olhando de forma apaixonada para ele. As outras meninas protestaram, houve quem reclamasse com a direção da festa que o rapaz da barraca de beijo havia abandonado seu posto. Logo arranjaram um substituto para Renato, não tão interessante quanto ele, e pouco a pouco ninguém mais se lembrava da barraca, dos beijos, de Renato, e de Cecília.

Algumas horas depois Cecília acordou, e Renato estava lá. Por um momento, achou que era Eduardo, mas logo percebeu que não, e foi lembrando o que tinha acontecido. Um sentimento de vergonha começava a dominar todo o seu ser, até que de repente:

- Oi, eu não sou o Eduardo. Me chamo Renato, vendo beijos, ganhei um tapa, e você é linda.
- Oi... Me chamo Cecília – Ela sentia suas bochechas queimarem. – Me desculpe pelo tapa. Eduardo é meu ex-namorado, e você é muito parecido com ele.
- Ele é bonito?
- Sim, muito.
- Então o tapa está perdoado. Você vai ficar bem. Suas amigas acham que eu sou o cara que você se apaixonou antes de terminar com seu ex. Quer que eu seja?
- Não sei...
- Bom, não conheço o Eduardo, mas pelo tapa, acho que ele merece isso, não?
- É, pode ser... Mas, se for assim, temos que ter um início. Temos que combinar como nos conhecemos. Concorda?
- É verdade. Que tal você dizer que no meio da multidão, numa festa, a gente se esbarrou, eu lhe ofereci um beijo, e você aceitou?

Todos acreditaram na história. E chegaram a especular por ai que Cecília não sabia do “ofício” de Renato, por isso a surpresa e o tapa. Eduardo quando soube da paixão nova de Cecília, correu atrás dela exatamente como ela havia desejado. Implorou pela volta, prometeu amor eterno, um relacionamento mais maduro, um homem diferente. E fez mais, prometeu se casar com ela, lhe dar conforto, ser pai de seus filhos, ser fiel, ser qualquer coisa que fizesse Cecília voltar para ele. Tudo em vão. O mundo, em seu inevitável movimento, havia completado mais uma volta. Nada mais seria igual.

Cecília havia se apaixonado novamente.

6 comentários:

  1. Esse conto me lembrou de uma festa junina meio falida que fui com umas amigas nesse último final de semana.

    Engraçado que não sei porque, tudo isso aí se confundiiu com a realidade que vivi, os dramas de pessoas normais que todos conhecemos e a história que se construiu em minha mente.

    Estou MUITO feliz que você voltou a escrever!

    Um beijo!

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  2. A intenção é essa!!!!
    Obrigada amiga :)
    bjocas

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  3. Nossa Carol, a-do-rei!!!
    Não pare nunca de escrever!!
    bjs...Norminha

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  4. Opa Norminha! Que visita ilustre!!!!!!!!
    Bjsssss

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  5. Muito feliz por você ter reativado o seu blog! Sou se fã número 1! Bjs!

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  6. E eu muito feliz de vc ter passado por aqui!
    bjsss

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