sábado, 24 de outubro de 2009

Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago


"Em terra de cego, quem tem um olho é rei", diz o dito popular. Será verdade? Então imagine só se, de repente, o mundo inteiro cegasse. Seus pais, filhos, vizinhos, marido, esposa, amigos, inimigos, todos. Políticos, engenheiros, garis, motoristas, aposentados, estão todos cegos. E você? Não, não está cego, muito pelo contrário, é a única pessoa no mundo que enxerga perfeitamente. Mas enxerga o quê?

É esta a questão central do livro de Saramago. Se todos nós cegássemos de repente, como seria? Cegos, nos transformaríamos novamente em crianças, indefesas, a procura de alguém que nos ensine a viver como adultos, ou melhor, como cegos. Mas se todos estão cegos, o que fazer? Se todos se encontram como crianças, como se apoiar em um adulto? Como aprender a andar, comer, viver, se não há ninguém para ensinar? Em pouco tempo, um mundo de cegos se transformaria em um mundo de caos. Ninguém mais trabalharia, a economia pararia, os alimentos se extinguiriam, e o homem não poderia mais contar com tudo aquilo que conta com ele para existir. As ruas seriam lotadas de cegos perdidos, a procura de suas residências, esfomeados por não ter o que comer e não ter olhos para encontrar comida. Alguns cegos morreriam, seja de fome, medo, doença ou acidente, não importa o motivo. Eles não seriam enterrados, pois não há olhos para os enxergarem ali, mortos. Suas presenças seriam sentidas pelo olfato, um cheiro podre, de carne em estado de decomposição, que se misturaria com o cheiro do lixo espalhado pelas ruas, pois não há olhos para enxergarem as lixeiras, recolherem o lixo e transportá-lo a um aterro sanitário. Quase a desfalecerem, alguns cegos, protegidos por suas cegueiras, em um ato de puro espírito de sobrevivência, se alimentariam de cegos mortos, junto aos cães, gatos e outros animais que, igualmente perdidos de seus donos, buscam a morte para se manterem vivos. E no meio de toda esta confusão, você e seus dois olhos, que enxergam.

Dois olhos que enxergam toda a desgraça que a humanidade se resumiu. E mais, que não podem ser descobertos, ou virariam escravos dos cegos sedentos por uma muleta a servir de apoio.

Que grande rei, digníssima majestade você se tornou. Um rei sem reino, sem povo, sem coroa. Um rei que deseja se tornar plebeu, ou melhor, cego. Que deseja não ter olhos para não ver este show de horrores que a vida se tornou. Que não sabe se aguenta o fardo de enxergar por aqueles mais próximos, pessoas de confiança, aos quais decidiu se revelar. Quem dirá então, enxergar por todos, milhares e milhares e milhares que vivem neste reino cego e decadente.

Saramago explora esta contradição de forma magistral. Ele consegue nos mostrar as duas faces, a de quem não enxerga, e a de quem enxerga o que não se quer enxergar. Conforme a história se desenrola, a certeza de que ter olhos é um privilégio vai perdendo força. No final, você não sabe mais se torce para todos voltarem a enxergar, ou se torce para que aqueles únicos olhos sãos enfim encontrem a paz merecida, e descansem no infinito sem formas e sem cores que somente a cegueira, ou a morte, proporcionam.

Mais que um ensaio sobre a cegueira, entendo que este livro é um ensaio sobre tudo que julgamos ser indispensável na vida, e como esta indispensabilidade pode se tornar tão relativa a ponto de o indispensável se transformar justamente na ausência daquilo que julgávamos indispensável. Para tanto, basta que o mundo ao seu redor se transforme, para que você também seja transformado.

José Saramago foi o primeiro escritor da língua portuguesa a ganhar o prêmio Nobel de literatura, em 1998. É conhecido pelo seu jeito peculiar de escrita, onde os diálogos se misturam com as orações de forma que o leitor segue um fluxo contínuo de leitura.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma viagem diferente

Engraçado eu falar aqui sobre este tema. Mas enfim, me deu vontade de compartilhar com vocês o assunto.

Parece que tudo na vida tem seu momento certo. Ou melhor, quase tudo. Por que quase? Porque há apenas um acontecimento, o qual tenho certeza que quero que aconteça na minha vida, mas não faço a mínima ideia de quando. Adivinhou? Pois é, filhos, que já estão me dando dor de cabeça antes de nascerem.

A pergunta é: será que existe um momento ideal para uma mulher se tornar mãe? Eu venho me perguntando isso há algum tempo. E não é por menos: casada já há 3 anos, vida profissional estável, nenhum problema maior para complicar as coisas... Mas apesar de tudo, não me vem aquela vontade louca de ser mãe. Por quê?

Talvez porque eu seja racional demais. Racional a ponto de pensar que preciso crescer mais profissionalmente, preciso viajar mais, preciso aproveitar mais o meu casamento, preciso poder acordar tarde aos sábados e domingos, preciso poder me desligar do mundo quando bem entender. Traduzindo: preciso ser livre. Mas ai eu pergunto: desde quando filho é sinônimo de prisão? Ou melhor, porque um filho é um impeditivo para todas estas coisas?

Essa questão me veio a tona nestas ultimas semanas. O motivo? Bom, parece que todo mundo resolveu engravidar. Eu conheço pelo menos uns 10 casais grávidos. Mulheres de diferentes idades, diferentes situações, diferentes estilos, ou seja, diferentes MOMENTOS.

Mas o que agravou mesmo a situação foi o fato de uma super ultra mega amiga querida do coração ter engravidado. Há pouco tempo atrás, nós combinávamos: vamos ter nossos filhos juntas! E agora, ela grávida, você me pergunta: vai cumprir a promessa?

A resposta é “provavelmente não”. E digo provavelmente, porque somente Deus sabe quando vou engravidar, e vai que Ele deseje que eu engravide agora? Se for a vontade Dele, será a minha. Mas definitivamente, não é a minha vontade que irá iniciar esse processo.

Enfim, desabafo desabafado, a conclusão que eu chego é a seguinte: não existe momento certo, o que existe é uma vontade certa, vontade de ser mãe, de ter um ser dependente de você, de se privar sim de algumas coisas, e de ganhar outras tantas. Vontade de amar e ser amada, de chamar alguém de filho, e de ser chamada por esse alguém de mãe. É saber que essa pessoa vai te dar trabalho, vai roubar suas noites de sono, vai crescer já se achando um adulto e quem sabe, vai demorar um bocado para reconhecer tudo que você fez por ela. E ainda sim, você vai amá-la, incondicionalmente.

E como vontade não é algo para teorizar, mas sim para sentir, ou você sente, ou não sente. Mas como explicar o que eu sinto? Como explicar que eu já sinto tudo isso, e ao mesmo tempo, pareço não sentir nada? Como dizer “quero” quando não quero, e “não quero”, quando na verdade eu quero?

Enfim, a verdade é que, como tudo na minha vida, preciso que esta vontade que cresce dentro de mim se concretize, e mais, que ultrapasse a barreira da minha racionalidade, quase intransponível. Mas sabe de uma coisa? Isto não é tão ruim assim. Eu tenho tempo, não preciso ter pressa. E o mais importante é o que eu sinto: não uma vontade louca e desesperada de ser mãe, mas sim uma certeza que esta vontade vem crescendo dia após dia. E continuará crescendo, até o dia que ela se transformará em um amor transbordante, resumido ali, em um bebê lindo, que me olhará com olhos de filho, e eu o olharei com olhos de mãe, e assim será, por toda a nossa vida.