domingo, 16 de agosto de 2009

O Caçador de Pipas – Khaled Hosseini


Outro dia eu estava discutindo com a minha amiga Julie sobre livros. A questão era: eu não lia mais livros de ficção. E por um motivo simples. Eu os considerava uma perda total de tempo. Na minha cabeça, funcionava a seguinte lógica: se eu não assistia novela porque achava que era tempo perdido, imagine então gastar dias lendo um livro sobre uma história que nunca aconteceu, em um lugar que não existe, e com pessoas que nunca passaram de meros personagens? Por favor, entenda, não é que eu não gostasse de livros de ficção. Muito pelo contrário. Por exemplo, sou uma admiradora convicta do bruxinho criado por J. K. Rowling. E tem ficção mais ficção do que Harry Potter?

Pois então, voltando a conversa com Julie, ela me dizia:

- Mas amiga, os livros são escritos a partir de experiências do próprio autor. Eles nos trazem lições, nos emocionam, e nos fazem pensar em coisas da vida real.

E eu retrucava:

- Mas este é o problema: você nunca sabe o que é real, e o que é ficção. O autor pode inventar tudo, ou inventar nada. E com certeza, ele não irá te dizer que lado ele pesou mais.

Bom, a gente não chegou a um denominador comum. E nem precisava. Gosto por livros é igual a futebol, não se discute. Mas enfim, o fato é que fiquei pensando no assunto. Fiquei mesmo. Gastei um tempo tentando convencer a minha cabeça que talvez, quem sabe, eu deveria dar mais uma chance aos livros de ficção. Quem sabe, eu conseguisse distinguir a realidade da ficção, não em tudo, mas no que interessasse. E, quem sabe, eu tirasse uma boa lição de vida com cada um destes livros.

Então, quando toda aquela minha convicção sobre ficção deu uma brecha, eu entrei correndo no submarino.com e comprei cinco livros de ficção. Além disso, liguei para a minha mãe e pedi para ela emprestado o “Caçador de Pipas”. Pronto, estava formado o meu arsenal, é agora ou nunca!

E foi assim, um tanto receosa e muito descrente, que comecei a ler este último, o Caçador de Pipas, tema do post. E aqui, peço desculpas aos leitores pela introdução longa. Eu sei, me empolguei um pouco, mas foi preciso, e vocês irão entender.

Com o livro em mãos, comecei o ritual que sempre faço com tudo. Ou seja, o analisei por inteiro. A capa, contracapa, a resenha, o autor, as cores, o tamanho da letra, a quantidade de capítulos, e por ai vai. Passado meu momento psicótico, comecei a leitura.

E o resumo da ópera é o seguinte: minha língua está doendo até agora de tão forte que foi a mordida. Em outras palavras, minha amiga Julie estava tão certa como areia no deserto, e eu era aquela poça d’água que os mortos de sede vêem antes de desfalecerem. Parece verdade, mas é pura ilusão.

Desde a primeira página, o Caçador de Pipas me puxou como se eu fosse um peixe agarrado a um anzol. Quando percebi, eu já estava lá, dentro do livro, sentindo a dor dos personagens. Chorando com eles, rindo com eles, morrendo com eles. E aquela sensação que imaginei que fosse sentir, de estar lendo algo sem propósito, nunca passou perto. O imaginário se tornou o real, e a história me transformou muito mais que as notícias, muito reais, que eu leio no globo.com todos os dias.

O autor do livro é um afegão. Para os mais desavisados, quer dizer que ele nasceu no Afeganistão. Não apenas nasceu, ele viveu grande parte de sua infância lá. E é lá também que passa grande parte da história do livro. Bom, quando entendi isso, dei a minha primeira mordiscada na língua. Mas mal sabia que, quanto mais eu lesse, mais força as mordidas ganhariam.

Resumindo a história, Amir e Hassan são dois meninos inteligentes e espertos. Porém, como água e vinho, não poderiam ser mais diferentes um do outro. Amir é grande, mas fraco. Hassan é franzino, mas forte. Amir é rico, mas pobre de coração. Hassan é pobre, mas possuidor de riqueza que não se compra. Os dois viveram a infância juntos como amigos, mas apenas Hassan entendia o que realmente a palavra “amizade” significava. E assim, sendo contada pelo próprio Amir, a história se desenrola em uma sucessão de erros de Amir, uma explosão de sentimentos por Hassan, e uma avalanche de lições para se levar por toda a vida.

O final é lindo, poético, doloroso e ao mesmo tempo de uma felicidade estonteante. Mas é claro, eu não posso contar o desfecho desta história aqui. Apesar de achar que sou uma das últimas a ler o livro, ou a assistir o filme, acredito que ainda há atrasadildos como eu por aí. Então, se você é um deles, se renda o quanto antes e entre neste mundo de amor, culpa, medo, honra, inveja, coragem e redenção que Amir e Hassan nos apresentam.

Por último, não resisto, e lhes dou aqui uma palhinha do livro. Neste trecho, Hassan está ganhando de presente de aniversário do pai de Amir, o Baba, uma cirurgia para a correção de seu lábio leporino.

“Hassan talvez tivesse acreditado naquela história, mas eu não. Sabia que quando os médicos dizem que não vai doer você pode ter certeza de que está em maus lençóis. Apavorado, lembrei da minha circuncisão no ano anterior. O médico me disse a mesma coisa, garantindo que não ia doer nada. Mas, quando passou o efeito do tal remédio que entorpece, bem mais tarde naquela noite, parecia que alguém tinha enfiado carvão em brasa nos meus rins. Por que Baba tinha esperado eu fazer dez anos para mandar me circuncidarem é uma coisa que nunca consegui entender, e que nunca vou perdoar.
Adoraria ter também algum tipo de cicatriz que atraísse a simpatia de Baba. Não era justo. Hassan não tinha feito nada para conquistar a afeição de meu pai, simplesmente tinha nascido com aquele estúpido lábio leporino...
A cirurgia foi um sucesso. Ficamos todos um pouco chocados a primeira vez que removeram os curativos; no entanto, continuamos sorrindo, obedecendo as instruções do Dr. Kumar. Mas não foi fácil, pois o lábio superior de Hassan era uma coisa grotesca, todo inchado e em carne viva. Achei que ele ia gritar horrorizado quando a enfermeira lhe deu um espelho. Ali segurou a sua mão e ele ficou um bom tempo contemplando o próprio rosto. Depois, balbuciou algo que não entendi. Cheguei o ouvido mais perto da sua boca. Ele sussurrou de novo.
- Tashakor – Obrigado.
Então os seus lábios se contorceram e, desta vez, eu sabia exatamente o que ele estava fazendo. Estava sorrindo. Assim como tinha feito quando saiu do útero de sua mãe.
O inchaço foi diminuindo e, com o tempo, a ferida cicatrizou. Em alguns meses, não passava de uma linha rosada atravessando o lábio superior. No inverno seguinte, era apenas uma leve cicatriz. O que é bastante irônico. Porque foi justamente nesse inverno que Hassan parou de sorrir.”

5 comentários:

  1. Amiga, fico super feliz de que voce tenha gostado, esse foi um dos livros que fez eu me apaixonar mais pela leitura (e quem sabe por escreve né?), o que voce esta lendo me cativou tanto que fiquei triste quando ele acabou! Já estou esperando o post sobre ele.... beijoos

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  2. Amigaaaa
    tah vendo como você é importante na minha vida! :)
    Aliás, se eu fosse postar tudo o que falamos, poderia escrever um livro!
    Será que é uma boa idéia? rsrsrs
    bjocas

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  3. Que engraçado, Carol. Eu tive essa mesma discussão com o meu tio há um tempo. Ele também acha que ler ficção é perda de tempo e eu sou tão o oposto que tenho implicância até com biografias, mesmo as romanceadas, e não leio um livro não-ficção há anos. Vou falar para você a mesma coisa que disse para ele: dizer que literatura é perda de tempo é a mesma coisa que dizer que arte é perda de tempo. Literatura ensina e inspira e só porque não aconteceu não quer dizer que não seja verdade(iro). Também amei O Caçador de Pipas. E se vocês gostaram dele, recomendo "O Deus das Pequenas Coisas", da indiana Arundhati Roy. Nossa, não escrevi um comentário. Escrevi um livro! Beijos.

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  4. Carol,

    Não querendo discordar de você, mas já discordando, apesar de sabermos que se trata de ficcção, a gente experimenta junto com os personagens a vida deles. E pode ter certeza que após a leitura de um bom livro, a vida da gente se modifica um pouco.
    Abs

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  5. Oi Anônimo!
    Concordo contigo! Escrevi justamente sobre esta minha mudança de opinião!
    Bjos e obrigada pelo comentário :)

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