Como eu prometi, começa aqui a parte alcoólica da minha viagem pelo interior da França. E põe álcool nisso. Quando a meta é degustar a maior quantidade de vinhos possível, e quando você tem um marido que gosta do esporte, o melhor é relaxar e beber...beber...beber... pelo menos o vinho nacional lá é francês.
Saímos de Saint Malo de manhã, e fomos para Saint-Emilion, na região da Aquitânia, onde fica a cidade de Bordeaux e também onde ficam alguns dos mais prestigiados produtores de vinhos da França. Nesta região, é comum chamar as vinícolas de Chateau, o que na verdade quer dizer castelo, ou simplesmente uma casa grande. Lá, existem muitos Chateaux que não são vinícolas, mas quase todas as vinícolas são Chateaux, mesmo que sejam apenas um simples casebre com uma pequena produção. Isto deve ter alguma explicação histórica, mas vamos para a parte que mais interessa: a viagem.
Saint-Emilion é uma cidade medieval, bem turística, e totalmente rodeada por videiras.



Bem na entrada da cidade há uma praça com uns dois ou três restaurantes nela. Como chegamos na hora do almoço, entramos no restaurante que achamos mais legal, cujo nome não me lembro mais, mas que ficava no lado direito da praça. Lá comi um Cassoulet maravilhoso. Para quem não sabe o que é isso, trata-se de uma feijoada francesa, ou seja, feijão branco, lingüiça, e pato desfiado. Uma delícia. E este que comi então estava divino. Tanto que, meu marido que havia pedido outro prato, quando provou o meu Cassoulet, pediu um para ele também. Comeu seu segundo prato em questão de segundos, raspou tudo, lambeu os beiços, e me deixou de queixo caído.
Bem alimentados, saímos atrás das vinícolas. E vejam só, não é que eu, com todo o meu planejamento, todo o meu controle, toda a minha pesquisa, deixei passar algo realmente importante. Prestem atenção nisso: você que vai a Saint Emilion e quer visitar os grandes Chateaux, reserve bem antes as visitas. Isso mesmo, não é um dia antes não, são meses antes. Que bom que você está lendo isto aqui e não vai ser pego desprevenido que nem eu fui pega. Porque viajar um oceano inteiro para chegar lá e correr o risco de não conseguir fazer o planejado é realmente frustrante. No entanto, se mesmo já avisado, você for um autêntico brasileiro e acreditar piamente que em tudo dá-se um jeitinho, ok, então esqueça o Office de Turisme de Saint-Emillion, e vá resolver seu problema no Office de Turisme de Bordeaux. O primeiro, só vai saber lhe dizer que não dá mais tempo, e que se você quiser tentar a sorte, você pode ligar para os Chateaux pequenos e tentar alguma coisa. Nenhuma consideração que você é um turista, em uma terra estranha, e que talvez precise de pelo menos uma ajuda nas ligações. Já o segundo, vai lhe atender muito melhor e vai fazer as ligações para você com toda a paciência, tentando inclusive os Chateaux grandes. Se eles conseguirem marcar alguma visita, vão lhe cobrar uma taxa (se não me engano, cinco euros por visita marcada). Se não conseguirem, não cobram. Perceberam a motivação extra?
Neste dia, acabamos conseguindo marcar visitas em dois chateaux pequenos. O primeiro, Saint Esprit, foi uma boa surpresa. Não pelo lugar, mas pelo vinho, excepcional. Aliás, preciso lhes explicar como são classificados os vinhos de Saint Emilion. Em primeiro lugar vem os vinhos com classificação Saint-Emilion. Estes estão longe de serem vinhos medíocres, mas na cadeia hierárquica, são os menos abastados. Depois vêm os grand crus, depois os grand crus classe, depois os premier grand crus classe, depois os premier grand crus classe B e, finalmente, os premier grand crus classe A. Apenas dois atingiram o ápice nesta classificação, Chateau Ausone e Chateau Cheval Blanc, os quais, pelo menos por enquanto, não são para o meu bico. Enfim, o Chateau Saint Esprit produz um vinho Grand Cru, mas que promete galgar posições nos próximos anos. O melhor de tudo é o preço: vinho de excelente qualidade por 13 euros. Superbe!

No dia seguinte fomos a Bordeaux tentar algum milagre, e de quebra aproveitamos para conhecer a cidade. O inconveniente foi que era um domingo, e estava exatamente tudo fechado, menos o Office de Turisme, graças a Deus. Lá, não conseguimos marcar nenhuma visita, justamente por ser domingo e ninguém atender nos Chateaux. Mas pelo menos saímos de lá com o telefone de três vinícolas produtoras de vinhos premier grand cru classe B, que abriam na segunda de manhã, e que poderíamos tentar ligar para marcar a visita para o mesmo dia (o tal do milagre).



O dia estava chuvoso, as lojas todas fechadas, e sinceramente, o passeio não estava agradando muito. Até que de repente... uma feira! Ela estava ali, às margens do Rio Garonne, o qual atravessa a cidade. Eu sou fascinada por feiras francesas, e quem já andou por alguma sabe do que estou falando. É um parque de diversões para adultos gulosos que nem eu: verduras fresquinhas, ostras, champagne, fleur de sel, pãezinhos fofinhos e decorados, e a diversão se extende por uma infinidade de cores, texturas, tipos e sabores. Lá em Bordeaux não foi diferente.


Saímos de Bordeaux, ligamos o GPS e... pausa para falar sobre o GPS. Vou lhe dar uma dica agora que é sensacional. Se você pretende alugar um carro em sua viagem, não esqueça em hipótese alguma de reservar junto o GPS. Por apenas doze euros por dia, esqueça os mapas, esqueça o estresse, esqueça a sensação horrível de estar perdido e aproveite o volante ao máximo. Acredite em mim, você não vai querer mais viver sem esse nosso amiguinho aí embaixo.
Retomando ao assunto: Saímos de Bordeaux, ligamos o GPS, e não é que o danado começou a nos dar as coordenadas de vários chateaux super famosos da região? Olhei para o lado, e vi os olhos do meu marido brilharem de felicidade que nem uma criança olhando um pirulito bem grandão. Daí pensei: tudo bem, se não conseguirmos as visitas, pelo menos vamos tirar fotos das entradas, para provar que estivemos lá! Foi o que fizemos e foi bem engraçado: parávamos, tirávamos a foto, e íamos embora.

Sabe para que servem as rosas? No ataque de alguma praga às videiras, as rosas são as primeiras a sofrerem. Desta forma, elas "avisam" aos produtores sobre o perigo, e eles têm tempo para salvar o que realmente interessa.
No dia seguinte, por interveniência divina, conseguimos marcar uma visita a um Chateau grande. Fomos ao Chateau Belair, produtor de um premier grand cru classe B. A espera valeu a pena e pudemos conhecer o que é uma vinícola com história e tradição.
Um fato curioso: todas as casas desta região são feitas de pedra, um tipo de calcário específico de lá. Estas pedras foram retiradas dos subsolos das próprias propriedades, formando assim vários túneis subterrâneos. Advinha de que estes túneis são abarrotados? Isso mesmo, de vinho. Isto porque a temperatura neles é sempre constante em 12 graus Celsius, ideal para o armazenamento.
Chateau Belair
Estas garrafas estão vazias e servem como "paredes divisórias" entre o Chateau Belair e o Chateau Ausone (um dos dois únicos produtores de vinho premier grand cru classe A de Saint Emilion).
Estas garrafas também estão vazias, mas fazem parte de uma comemoração que foi feita no centenário do Chateau. Na ocasião, foi aberta uma garrafa de cada um dos 100 anos, e alguns poucos sortudos precisaram de 1 semana para realizar tarefa tão árdua.

Esta aí é a adega particular do dono do Chateau. Estou vendo alí 1924?
Nestes barris, o vinho descansa por um bom tempo antes de ser engarrafado.
Hora da degustação. Oba!Por último, voltamos para Saint Emilion e descobrimos (ou melhor, meu marido descobriu) uma loja de vinhos com uma variedade muito boa de vinhos da região e preços justos. O nome dela é Vignobles & Chateaux, o endereço é 4, Rue du Cloche e o site é
http://www.vignobleschateaux.fr/. Na frente dela, há um restaurante com uma comida excelente.
No dia seguinte, seguimos viagem para o Vale do Loire, terra dos castelos de contos de fadas, a qual fica para um próximo post (Aguardem cenas do próximo capítulo).