
"Em terra de cego, quem tem um olho é rei", diz o dito popular. Será verdade? Então imagine só se, de repente, o mundo inteiro cegasse. Seus pais, filhos, vizinhos, marido, esposa, amigos, inimigos, todos. Políticos, engenheiros, garis, motoristas, aposentados, estão todos cegos. E você? Não, não está cego, muito pelo contrário, é a única pessoa no mundo que enxerga perfeitamente. Mas enxerga o quê?
É esta a questão central do livro de Saramago. Se todos nós cegássemos de repente, como seria? Cegos, nos transformaríamos novamente em crianças, indefesas, a procura de alguém que nos ensine a viver como adultos, ou melhor, como cegos. Mas se todos estão cegos, o que fazer? Se todos se encontram como crianças, como se apoiar em um adulto? Como aprender a andar, comer, viver, se não há ninguém para ensinar? Em pouco tempo, um mundo de cegos se transformaria em um mundo de caos. Ninguém mais trabalharia, a economia pararia, os alimentos se extinguiriam, e o homem não poderia mais contar com tudo aquilo que conta com ele para existir. As ruas seriam lotadas de cegos perdidos, a procura de suas residências, esfomeados por não ter o que comer e não ter olhos para encontrar comida. Alguns cegos morreriam, seja de fome, medo, doença ou acidente, não importa o motivo. Eles não seriam enterrados, pois não há olhos para os enxergarem ali, mortos. Suas presenças seriam sentidas pelo olfato, um cheiro podre, de carne em estado de decomposição, que se misturaria com o cheiro do lixo espalhado pelas ruas, pois não há olhos para enxergarem as lixeiras, recolherem o lixo e transportá-lo a um aterro sanitário. Quase a desfalecerem, alguns cegos, protegidos por suas cegueiras, em um ato de puro espírito de sobrevivência, se alimentariam de cegos mortos, junto aos cães, gatos e outros animais que, igualmente perdidos de seus donos, buscam a morte para se manterem vivos. E no meio de toda esta confusão, você e seus dois olhos, que enxergam.
Dois olhos que enxergam toda a desgraça que a humanidade se resumiu. E mais, que não podem ser descobertos, ou virariam escravos dos cegos sedentos por uma muleta a servir de apoio.
Que grande rei, digníssima majestade você se tornou. Um rei sem reino, sem povo, sem coroa. Um rei que deseja se tornar plebeu, ou melhor, cego. Que deseja não ter olhos para não ver este show de horrores que a vida se tornou. Que não sabe se aguenta o fardo de enxergar por aqueles mais próximos, pessoas de confiança, aos quais decidiu se revelar. Quem dirá então, enxergar por todos, milhares e milhares e milhares que vivem neste reino cego e decadente.
Saramago explora esta contradição de forma magistral. Ele consegue nos mostrar as duas faces, a de quem não enxerga, e a de quem enxerga o que não se quer enxergar. Conforme a história se desenrola, a certeza de que ter olhos é um privilégio vai perdendo força. No final, você não sabe mais se torce para todos voltarem a enxergar, ou se torce para que aqueles únicos olhos sãos enfim encontrem a paz merecida, e descansem no infinito sem formas e sem cores que somente a cegueira, ou a morte, proporcionam.
É esta a questão central do livro de Saramago. Se todos nós cegássemos de repente, como seria? Cegos, nos transformaríamos novamente em crianças, indefesas, a procura de alguém que nos ensine a viver como adultos, ou melhor, como cegos. Mas se todos estão cegos, o que fazer? Se todos se encontram como crianças, como se apoiar em um adulto? Como aprender a andar, comer, viver, se não há ninguém para ensinar? Em pouco tempo, um mundo de cegos se transformaria em um mundo de caos. Ninguém mais trabalharia, a economia pararia, os alimentos se extinguiriam, e o homem não poderia mais contar com tudo aquilo que conta com ele para existir. As ruas seriam lotadas de cegos perdidos, a procura de suas residências, esfomeados por não ter o que comer e não ter olhos para encontrar comida. Alguns cegos morreriam, seja de fome, medo, doença ou acidente, não importa o motivo. Eles não seriam enterrados, pois não há olhos para os enxergarem ali, mortos. Suas presenças seriam sentidas pelo olfato, um cheiro podre, de carne em estado de decomposição, que se misturaria com o cheiro do lixo espalhado pelas ruas, pois não há olhos para enxergarem as lixeiras, recolherem o lixo e transportá-lo a um aterro sanitário. Quase a desfalecerem, alguns cegos, protegidos por suas cegueiras, em um ato de puro espírito de sobrevivência, se alimentariam de cegos mortos, junto aos cães, gatos e outros animais que, igualmente perdidos de seus donos, buscam a morte para se manterem vivos. E no meio de toda esta confusão, você e seus dois olhos, que enxergam.
Dois olhos que enxergam toda a desgraça que a humanidade se resumiu. E mais, que não podem ser descobertos, ou virariam escravos dos cegos sedentos por uma muleta a servir de apoio.
Que grande rei, digníssima majestade você se tornou. Um rei sem reino, sem povo, sem coroa. Um rei que deseja se tornar plebeu, ou melhor, cego. Que deseja não ter olhos para não ver este show de horrores que a vida se tornou. Que não sabe se aguenta o fardo de enxergar por aqueles mais próximos, pessoas de confiança, aos quais decidiu se revelar. Quem dirá então, enxergar por todos, milhares e milhares e milhares que vivem neste reino cego e decadente.
Saramago explora esta contradição de forma magistral. Ele consegue nos mostrar as duas faces, a de quem não enxerga, e a de quem enxerga o que não se quer enxergar. Conforme a história se desenrola, a certeza de que ter olhos é um privilégio vai perdendo força. No final, você não sabe mais se torce para todos voltarem a enxergar, ou se torce para que aqueles únicos olhos sãos enfim encontrem a paz merecida, e descansem no infinito sem formas e sem cores que somente a cegueira, ou a morte, proporcionam.
Mais que um ensaio sobre a cegueira, entendo que este livro é um ensaio sobre tudo que julgamos ser indispensável na vida, e como esta indispensabilidade pode se tornar tão relativa a ponto de o indispensável se transformar justamente na ausência daquilo que julgávamos indispensável. Para tanto, basta que o mundo ao seu redor se transforme, para que você também seja transformado.
José Saramago foi o primeiro escritor da língua portuguesa a ganhar o prêmio Nobel de literatura, em 1998. É conhecido pelo seu jeito peculiar de escrita, onde os diálogos se misturam com as orações de forma que o leitor segue um fluxo contínuo de leitura.
José Saramago foi o primeiro escritor da língua portuguesa a ganhar o prêmio Nobel de literatura, em 1998. É conhecido pelo seu jeito peculiar de escrita, onde os diálogos se misturam com as orações de forma que o leitor segue um fluxo contínuo de leitura.