quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Cidade do Sol - Khaled Hosseini


Toda vez que termino de ler um livro, tenho a sensação de que muitos e muitos anos se passaram bem na minha frente, em um piscar de olhos. Como um baú de recordações, o livro guarda ali personagens e historias que mexeram comigo, e que já fazem parte do meu passado. É como se eu tivesse vivido uma vida paralela, muito mais intensa que a real. Uma vida que teve início, meio e fim muito bem claros. Uma vida curta, que durou dias, no máximo semanas. Mas que eu verdadeiramente vivi.

Às vezes é difícil dar uma pausa nesta vida paralela para cumprir com as obrigações da vida real. E esta dificuldade torna-se quase uma impossibilidade se o drama paralelo nos envolve e nos prende. O escritor que consegue elaborar um drama assim constrói uma prisão às avessas: não entramos nela porque somos obrigados, mas sim porque queremos. Chegando lá, não queremos sair. Não queremos comer. Não queremos ver os amigos. E quando o tempo de reclusão acaba, é triste ir embora e deixar para trás aquelas grades que de certa forma não serviam para nada. Vamos embora não porque elas foram abertas, mas sim porque temos que ir.

Mas algo diferente acontece quando eu leio Khaled Hosseini. E, na minha opinião, é este o grande trunfo do escritor. Ele nos prende de uma forma diferente, como uma grande cobra que chega perto de mansinho e quando menos se espera, ela se enrola por toda a vítima. No início, parece mais um abraço forte, apertado. Se formos românticos, podemos até dizer que este abraço pode ser confundido com amor demais, e cuidado de menos. Mas aos poucos, a cobra vai apertando mais, e nosso corpo vai sendo destroçado de forma lenta e suave. No fim, sem percebermos direito, não nos sobra nada. Fomos engolidos, completamente devorados.

O livro conta a história de Mariam e Laila, duas mulheres afegãs que se encontram durante suas vidas e se tornam tão fundamentais uma para a outra que nada, nem um país inteiro poderia destruir o que foi construído entre elas, e principalmente, o que estava enraizado nos seus corações. Tratadas como lixo por uma sociedade de um extremismo inimaginável para as nossas cabeças ocidentais, essas duas mulheres conseguem manter-se vivas, mesmo quando a morte é o único caminho.

É difícil falar sobre o livro e não lhes contar mais do que devo. Mas vou me conter. “A Cidade do Sol” é um livro que deve ser lido e sofrido por todos. E se você não leu ainda, não se esqueça quando for ler do seguinte: apesar de ser ficção, o livro é a história infeliz e real de muitas e muitas mulheres que viveram sob o regime talibã, e que suportaram todos os capítulos deste livro de uma forma que a humanidade inteira ainda não conseguiu entender. Eu lhe prometo, você vai sentir a cobra destroçando os seus ossos. E no final, só lhe restará uma dúvida: como elas, todas elas, conseguiram?

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Casa do Saber - Lagoa



Muitos de vocês devem conhecer a Casa do Saber, que fica na Lagoa. Isso, aquele prédio bonitinho com sempre um monte de cursos disponíveis para todos os gostos. Já fez algum dos cursos? Então, eu nunca tinha feito. Até que uns dois meses atrás, resolvi me embrenhar em um curso de literatura. Influência do blog, com certeza. Mas o fato é que achei o título do curso magnífico: "Ritmos do Rio em prosa e verso". Ou seja, aulas inteirinhas sobre tudo o que já foi escrito ou cantado sobre o Rio de Janeiro. Como se não bastasse, o curso também tinha um viés de oficina de escrita, onde os alunos poderiam trazer os seus textos e lê-los na sala de aula. Confesso que este negócio de ter "platéia" me deixou um pouco tensa, mas não hesitei. Me matriculei e aguardei ansiosa pela primeira aula.

E a primeira aula foi maravilhosa. Me encantei. Pelo lugar, pelas pessoas, pelo professor, por tudo. E me encantei mais ainda pelo meu Rio amado. Descobri fatos e historias do Rio que eu nem imaginava existirem. Passei a amá-lo mais. A desejá-lo mais. E claro, com o coração amolecido pelo sentimento, quis escrever algo sobre o Rio, que eu pudesse levar na aula seguinte.

Mas eu só quis. Como é difícil escrever sobre o que gostamos! Como é difícil expressar com as palavras aquilo que o coração sente! E eu não pude fazê-lo. Simplesmente não pude, não consegui, não tive capacidade. Com o dia da aula chegando, e o desespero batendo na porta, eu tive que correr para o plano B. E o plano B era escrever sobre São Paulo. E aí você me pergunta: "por que é mais fácil falar de São Paulo?". E eu te respondo: "porque é muito mais fácil fazer uma crítica do que um elogio". É claro que o texto sobre São Paulo fluiu que nem água. E eu nem precisei ser tão criativa, bastou usar alguns fatos que tinham acontecido justamente no dia anterior, e pronto, saiu um texto quentinho e fofinho do forno. (o texto é esse logo abaixo deste post: “Um dia em São Paulo”)

Cheguei para a aula atrasada, e muito, muito ansiosa. Tão ansiosa que me esqueci de avisar ao professor que eu tinha um texto. Resultado? A aula terminou, e eu não li. Antônio, nosso mestre querido, me disse: "Carol, porque você não me falou? Leia na próxima aula, ok?". E eu voltei para casa num misto de alívio e frustração. Alívio porque existia sim, uma chance do meu texto ser medíocre, e ao invés de eu receber aplausos, eu poderia receber aqueles sorrisos amarelos que as pessoas fazem quando não querem dizer a verdade, sabe? Mas ao mesmo tempo, frustração, porque sim, eu poderia ter agradado os outros alunos e recebido palmas e elogios. Quem sabe o professor gostasse também? Seria a glória, não?

Então eu guardei o texto bem guardadinho e pensei: ok, só mais uma semaninha, não é nada. O que eu não esperava é que eu fosse ser atacada por uma inspiração que me rendeu outro texto: "A Barata". Eu simplesmente adorei o texto sobre a barata, fiz a família inteira ler, enchi meus olhos de emoção e pensei: "que texto sobre São Paulo que nada, eu vou ler na aula sobre a barata!!!".

E a terceira aula chegou. Então bem mais confiante do que na aula anterior, eu cheguei e já fui logo avisando: "tenho um texto hein!" E passei a aula inteira sonhando com o momento no qual eu me tornaria sim, por que não, uma celebridade, uma escritora de renome internacional, praticamente uma diva! E este momento chegou, sentei na cadeirinha do professor e comecei a ler. Fui lendo, fui lendo, e claro, todas aquelas expectativas loucas que eu havia criado na minha cabeça foram caindo aos poucos, letra por letra, frase por frase. Até que no último ponto final eu me toquei que o texto até tinha agradado ao público, mas não foi assim algo tão espetacular. Na verdade, não havia passado nem perto disso.

Então eu fui para casa pensando: "Ah Carol, mas você também hein. Sempre cria mais expectativas do que a realidade pode lhe proporcionar. Sempre o mesmo erro... sempre". Neste momento eu já havia decidido que não ia mais levar texto nenhum para a aula, e que eu iria guardá-los apenas para este espaço aqui, o blog, onde eu escrevo de forma anônima, sem cobranças e sem expectativas malucas.

E assim fiz, cheguei para a quarta aula de mãos abanando. O professor logo perguntou: "Cadê seu texto?". E eu respondi: "não trouxe Antônio, não trouxe...". E nessa hora eu senti certo desapontamento no rosto dele. Então passei a aula inteira num dilema terrível: leio o texto sobre São Paulo ou não leio? Seria um risco grande, eu mesma tinha gostado mais do outro, e se o outro não tinha feito o sucesso que eu imaginava, porque esse faria? E dessa vez havia um agravante muito pior, nós tínhamos convidados na aula, escritores, de sucesso, que escreviam sobre o Rio de Janeiro. E agora? Eu tinha que decidir rápido. Então antes que os outros alunos começassem a ler seus textos, e eliminando assim minha vontade de desistir caso eles viessem com textos maravilhosos, tomei coragem e falei: "Antônio, eu tenho um texto". E ele, espantado, perguntou: "Mas tem? Fez agora?". "Não Antônio, já tinha, consegui resgatar pelo blackberry".

E aí algo inusitado aconteceu. Chegou minha vez, e desta vez eu estava sem muitas expectativas. Os textos dos meus amigos de classe tinham sido de fato maravilhosos, e se eu não tivesse falado antes, provavelmente eu teria desistido. Então sentei na cadeira do professor, e de forma muito despretensiosa comecei a ler. E por ironia do destino, todas as reações que eu gostaria de ter tido com o outro texto, eu tive nesse. As pessoas riram, se entreteram, gostaram. E letra por letra, frase por frase, eu fui descobrindo que aquele texto estava melhor que o outro. No final, eu já estava rindo junto com a platéia, numa sensação de felicidade plena. Obviamente, o texto não me tornou uma celebridade, nem uma diva, muito menos uma escritora de renome internacional. Mas eu nem queria mais isso. Bastavam aqueles aplausos fortes e aqueles sorrisos sinceros. Fui para casa neste dia tão feliz que errei o caminho duas vezes. E nem fiquei chateada com isso.

A quinta e a última aula seriam sobre poemas. E aí neste quesito eu nem me arrisquei mesmo. Meus poemas são infantis, simples, imaturos. Para piorar, eu simplesmente esqueci da quinta aula e não fui. Como assim esqueceu? Pois é, todas as aulas eram às quintas-feiras, menos essa, que era numa terça. Eu e minha cabeça de vento deletamos este pequeno detalhe e pronto, perdi a aula. Que raiva. Mas tudo bem, não adiantava nada chorar pelo leite derramado. O jeito era me contentar com o ocorrido.

A última aula foi maravilhosa com vários convidados poetas, os quais eu me sinto muito honrada de ter tido a oportunidade de escutá-los recitarem seus próprios poemas. Após a aula, um choppinho no Bar Lagoa de encerramento, e a promessa de nos encontrarmos ou nos próximos cursos, ou quem sabe numa roda literária. Não posso falar pelos outros, mas lhes digo o seguinte: eu cumprirei a promessa, com certeza!

Meus agradecimentos especiais para o professor Antônio Torres, que de tão simples não transparece a primeira vista o mestre literário que é. Antônio já escreveu inúmeros livros e já ganhou inúmeros prêmios. Seus livros foram traduzidos para os quatro cantos do mundo. E mesmo com tanto sucesso, continua sendo essa pessoa doce que, mesmo o conhecendo pouco, tenho certeza que assim é desde sempre. Muito obrigada.




OBS: A Casa do Saber também disponibiliza cursos na Livraria da Travessa do Barra Shopping, e em São Paulo na Rua Dr. Mario Ferraz, no bairro de Jardins, e no shopping Cidade Jardim.

Crônica n°2 - Um dia em São Paulo

Eu ontem fui a São Paulo. Sim, a trabalho. Fácil de adivinhar, não? Me desculpem os paulistanos, mas eu só vejo dois motivos para visitar São Paulo: trabalho, ou conexão. Desta vez foi o primeiro que me fez pousar na pista curta do aeroporto de Congonhas em um dia chuvoso. Medo? Digamos que a eternidade se faz ali presente entre o momento do pouso e a constatação aliviada de que o avião está efetivamente freando. Num movimento involuntário, minhas mãos pressionam a poltrona da frente, e assim permanecem até perceberem que não há mais perigo. Logo em seguida, penso no absurdo desta minha atitude. Como querer parar o avião com as mãos? Peço desculpas ao vizinho da frente, ele não deve merecer o solavanco recebido, e sigo em frente. Afinal, cheguei em São Paulo, está na hora de engrenar a marcha rápida e pensar racionalmente.


Pego um taxi e sigo para a Faria Lima. E por um momento me lembro como é bom morar no Rio e pedir ao taxista: “pela praia, por favor”. Em São Paulo eu não faço a mínima questão de escolher o caminho, e minha única expectativa é que o dito cujo não esteja engarrafado. Pois não importa para onde você vá, com certeza a vista da janela do carro não será de praia, água de côco, bicicletas, muito menos um vôleizinho entre amigos. O caminho será cinza, sem graça, e se Deus quiser, curto.


São Paulo chega a ser engraçado de tão high business technology que tenta ser. Cada vez que chego lá, encontro uma surpresa diferente à minha espera. Desta vez foi com o elevador. Bom, digamos que a carioca aqui penou um bocado para entender que não servia entrar em um dos seis elevadores disponíveis e apertar o botão do andar desejado. Isso porque simplesmente o elevador não tinha botões. Ok, então como faço? Vai me dizer que agora é por telepatia? Enfim, quase me sentindo uma caipira na cidade grande, não tive escolha e perguntei: “Como se faz para pegar o elevador?”. E a paulista que estava ali presente me explicou que eu deveria primeiro indicar na maquineta ao lado de fora do elevador o andar desejado. Assim, ela, a maquineta, calcularia qual elevador seria o melhor indicado para o meu caso, e então eu ficaria ali a espera do meu “prometido”. Praticamente um conto de fadas, eu diria.


O resto do dia correu tranqüilo. A reunião foi ótima, o objetivo foi alcançado, e finalmente eu voltaria para o meu Rio querido. Então eu chamei o taxi, desci para a recepção e, de repente, quase como num filme de terror, um grito agudo tentou escapar da minha garganta. Mas o que saiu mesmo foi um sussurro abafado que disse: “que chuva é essa?”. É claro que Congonhas fechou, e eu me encontrei no aeroporto sem previsão para embarque, com todos os vôos anteriores ao meu já atrasados.


O que aconteceu? Eu não sei se foi o meu jeitinho carioca ou a minha feição de desespero que fez a atendente ser tomada por um sentimento de pena por mim. O fato é que meu vôo estava marcado para as 21:30h, e eu consegui, às 20:40h, fazer o check-in para o vôo das 20:00h. Então feliz e sorridente, e com a informação que os assentos seriam livres, entrei no avião e fui logo procurar uma janelinha no lado direito, que me proporcionasse a vista do litoral do Rio na chegada ao Santos Dumont.


E de fato eu teria tido uma vista linda do litoral do Rio iluminado à noite, se o avião realmente tivesse pousado no Santos Dumont. Pois adivinhem, não foi o que aconteceu. Eu já sabia que havia chovido bastante no Rio também, e que o Santos Dumont havia estado fechado por um tempo. Mas não imaginei que isto fosse obrigar o piloto a mudar, em cima da hora, a rota para o Galeão. Querem saber o pior? Meu carro estava no Santos Dumont. Então quando eu já estava sentindo o sangue subir, lembrei que o dia seguinte seria feriado. E querem saber o melhor? Um feriado exclusivo para cariocas, dia de São Sebastião, padroeiro da Cidade do Rio de Janeiro. Então eu apoiei novamente minha cabeça na poltrona e comecei a fazer meus planos para o dia seguinte: bicicleta, praia, sol, choppinho e picanha no Braseiro...